Julgamento do STF cria debates sobre o caso
A responsabilidade das redes sociais é um tema de grande debate, contudo devemos preservar direitos constitucionais de liberdade de expressão, mas sempre alinhados com as garantias de que as empresas também operacionalizem de forma correta balizadas pela legislação.
A Constitucionalidade do Art. 19 do Marco Civil da Internet: Uma Análise à Luz dos Recursos Extraordinários 1037396 e 1057258 do STF
O Art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) estabelece que os provedores de aplicações de internet (como redes sociais e serviços de mensagens) não são responsáveis pelo conteúdo gerado por seus usuários, exceto quando, após ordem judicial, não tomarem providências para impedir o acesso ao conteúdo ilícito. Esta regra gerou discussões sobre os limites da responsabilidade dessas plataformas, principalmente no contexto de casos que envolvem invasão de perfis, bloqueio indevido de contas e a falta de canais de atendimento para demandas judiciais. A análise dos Recursos Extraordinários 1037396 e 1057258 do Supremo Tribunal Federal (STF) oferece elementos importantes para a reflexão sobre a constitucionalidade dessa disposição e os desafios enfrentados pelos usuários.
O Marco Civil da Internet, sancionado em 2014, estabeleceu um conjunto de princípios, garantias, direitos e deveres para a utilização da internet no Brasil. O Art. 19, em particular, delineia a responsabilidade das plataformas de internet em relação ao conteúdo gerado pelos usuários. Segundo esse artigo, os provedores de aplicações de internet não podem ser responsabilizados por conteúdo gerado por terceiros, salvo em caso de ordem judicial que determine a remoção ou bloqueio do conteúdo. O objetivo do legislador foi garantir que as plataformas possam operar sem a necessidade de monitorar constantemente o que seus usuários postam, evitando uma censura prévia ou um controle excessivo sobre a liberdade de expressão.
Os Recursos Extraordinários 1037396 e 1057258 são dois casos paradigmáticos que envolvem a interpretação e aplicação do Art. 19 do Marco Civil da Internet, sendo julgados pelo STF em 2020 e 2021. Ambos os recursos tratam da responsabilidade das plataformas de redes sociais em situações em que os usuários alegam violação de seus direitos, seja pelo bloqueio indevido de contas ou pela não remoção de conteúdos ofensivos.
No caso do Recurso Extraordinário 1037396, o STF decidiu que, em determinadas circunstâncias, as plataformas podem ser responsabilizadas, mesmo sem ordem judicial prévia, quando houver flagrante violação dos direitos dos usuários, como no caso de violação de direitos fundamentais, por exemplo, a liberdade de expressão ou o direito à intimidade. No Recurso Extraordinário 1057258, a Corte reforçou o entendimento de que as plataformas não podem se eximir de responsabilidade apenas por invocar o Art. 19, quando, na prática, falham em oferecer meios adequados de resolução de conflitos ou de atendimento aos usuários.
Embora o Marco Civil da Internet tenha sido um avanço importante para a regulação da internet no Brasil, a sua aplicação prática tem gerado críticas, especialmente no que diz respeito à responsabilidade das plataformas. Em muitas situações, as redes sociais se mostram complacentes com a violação dos direitos dos usuários, seja pelo bloqueio indevido de perfis ou pela falta de ação diante de conteúdos abusivos ou ilegais. A despeito das obrigações legais, a responsabilidade das redes sociais tem sido reduzida, contribuindo para um cenário de impunidade.
Casos de invasão de perfis em redes sociais, como o roubo de contas de e-mail e redes sociais, são cada vez mais comuns no Brasil. No entanto, as redes sociais muitas vezes falham em oferecer respostas rápidas e eficazes para reverter essas invasões. Mesmo quando os usuários conseguem identificar a violação e comunicam o fato à plataforma, muitas vezes enfrentam longos períodos de inatividade de suas contas, sem que haja um canal adequado de suporte ou a adoção de medidas eficazes para restaurar o acesso. O Marco Civil da Internet, ao eximir as plataformas de responsabilidade por conteúdo gerado por terceiros, não leva em consideração a responsabilidade das empresas de garantir a segurança das contas de seus usuários.
Outro problema recorrente é o bloqueio indevido de contas, mesmo que o usuário esteja cumprindo as políticas da plataforma. Redes sociais, como Facebook e Instagram, têm sido alvo de críticas por bloquearem contas de maneira automática, sem oferecer explicações claras ou a possibilidade de defesa. Quando os usuários recorrem à plataforma para esclarecer a situação, muitos relatam a falta de um canal eficaz de atendimento. Este tipo de prática não só prejudica os usuários no exercício de seus direitos, como também viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, que são pilares do devido processo legal.
Além da falta de suporte eficiente para usuários prejudicados, muitas redes sociais não oferecem meios claros e rápidos para atendimento de demandas judiciais. Em casos de violação de direitos, como a divulgação de conteúdos ilícitos ou a prática de bullying online, é comum que o usuário precise recorrer ao Judiciário para que suas questões sejam solucionadas. Contudo, a demora no atendimento por parte das plataformas, muitas vezes associada à falta de um canal direto para o envio de solicitações judiciais, dificulta o acesso à justiça. O Art. 19 do Marco Civil da Internet, ao restringir a responsabilidade das plataformas, acaba permitindo que as redes sociais se eximam de suas obrigações perante os usuários e a sociedade.
Embora o Marco Civil da Internet tenha estabelecido que as plataformas devem cumprir ordens judiciais para a remoção de conteúdos, muitas vezes essas ordens não são cumpridas de maneira eficaz ou tempestiva. Existem inúmeros relatos de decisões judiciais que ordenam a remoção de conteúdos ofensivos, mas as plataformas demoram a tomar as providências necessárias. Esse desrespeito às decisões judiciais não só afeta o exercício dos direitos dos usuários, mas também enfraquece a confiança no sistema jurídico como um todo, ao permitir que as empresas de tecnologia ignorem as ordens emitidas pelas autoridades competentes.
A constitucionalidade do Art. 19 do Marco Civil da Internet tem sido questionada em diversos aspectos, principalmente quando se trata da responsabilização das plataformas por conteúdos gerados por terceiros. O STF tem enfrentado essas questões, reconhecendo a necessidade de proteger os direitos dos usuários, mas também entendendo a importância de garantir a liberdade de expressão e o funcionamento adequado das plataformas. No entanto, a ausência de responsabilização mais direta das redes sociais, somada à falta de canais eficientes de atendimento e ao desrespeito às decisões judiciais, aponta para uma falha na regulação que precisa ser revista.
A revisão do Art. 19 do Marco Civil da Internet poderia trazer mais equilíbrio entre a proteção da liberdade de expressão e a responsabilidade das plataformas em garantir a segurança e o respeito aos direitos dos usuários. Isso incluiria a necessidade de obrigar as redes sociais a criar canais de atendimento claros e eficazes, garantir a segurança das contas dos usuários e cumprir decisões judiciais de forma mais eficiente.
A discussão sobre a constitucionalidade do Art. 19 do Marco Civil da Internet é central para o debate sobre a responsabilidade das plataformas digitais no Brasil. Embora a lei tenha avançado na regulação da internet, a prática tem demonstrado que as redes sociais não assumem adequadamente suas responsabilidades, deixando os usuários vulneráveis a abusos e dificuldades de acesso à justiça. A revisão do Art. 19, à luz das demandas da sociedade e das decisões do STF, é fundamental para garantir que as plataformas operem de maneira mais responsável e alinhada aos direitos constitucionais dos cidadãos.
Não se trata esse artigo de um debate político, ou de ordem do que é censura ou não no Brasil, mas sim da questão de como as empresas vinculadas às redes sociais tratam com descaso os seus usuários e até mesmo as decisões judiciais para cumprirem obrigações legais.